quarta-feira, 25 de julho de 2012

Duas Estrelas


- Porque você ainda não se foi? - Perguntei desviando o meu olhar ao encontrar o dela, depois de um largo momento com o infinito silêncio.

- As coisas não são tão fáceis assim Matt - Saria demonstrava uma leve preocupação, mas também uma serena tranquilidade - Com o tempo, é normal das pessoas tecerem laços, grandiosos laços negros, dos quais ligam, os corações de uns aos de outros com uma intensidade imensurável - Acompanhava com o olhar os seus pés descalços, dos quais se moviam brincando graciosamente ao ar, enquanto permanecia sentada sob o banco, de madeira, daquela praça silenciosa - Esses laços se formam com qualquer pessoa que participa diretamente ou até mesmo indiretamente de sua vida, alguns são mais longos, outros mais curtos, uns mais grossos, outros simplesmente mais finos, depende do tempo ou até mesmo da relevância de certas pessoas... Digamos que uma pessoa passou... Cinquenta anos convivendo contigo, o laço que te liga a ela terá o comprimento de cinquenta anos, e outra passou apenas um ano, o laço que vos liga terá o comprimento de nada mais nada menos do que de um ano, porém não significa que um é mais importante que o outro, e também não importa se a pessoa fez bem ou mal a você, esse laço seguirá vos unindo, porque de qualquer forma ela faz parte de você.

- Sim... - Concordei com a cabeça, com a mente convencida de que essa tarde no parque foi a melhor que nunca tivera tido.

- Ao se desligar deste mundo não significa que esses laços terão de partir, alguns se dissolvem, outros simplesmente desaparecem, os mais fortes só te deixam partir no dia do seu funeral, como o de por exemplo sua mãe... - Uma pontada de um leve desgosto aflorou em meu tórax - ...ou o do seu pai.

- E você não foi por causa desses laços de sua mãe e seu pai?

- Não... Os laços que me ligavam aos meus pais já se dissolveram faz muito tempo.

- Então... porque?

- Eu achava que era por causa do laço do meu tio... - Abaixei a cabeça, me lembrando remotamente da historia que ela havia me contado - Achava que eu tinha alguma coisa ainda pra resolver com ele, ou pra falar com ele... - A sua voz estava menos melancólica que da ultima vez, a dois ou três anos atrás, que falara no assunto - Mas não era... Sabe Matt... Quando um laço não se desfaz, de jeito algum, significa que há algo nele mais forte do que a própria morte - Tentei balbuciar alguma pergunta, mas ela me cortou com um suspiro - O laço que não me deixa partir Matt... É o seu - Tentei novamente balbuciar alguma coisa, com um certo espanto, mas fui cortado mais uma vez - Não é a toa que eu consigo falar com você ainda, normalmente não conseguiria.

- Mas, porque? Eu não te vi por mais de uns minutos - Desviei o olhar do chão - E ainda mais fui eu que...

- Eu não sei - Uma voz meiga, porém segura - Eu não sei porque o nosso laço ainda não se desfez, mais isso quer dizer algo - As suas pernas se aquietaram, e agora pisavam no solo úmido da praça com força enquanto suas mãos se apoiavam, nuas, nas tábuas de madeira do banco. Percebi um brilho em seus olhos, como se uma lágrima estivesse prestes a se desprender e vazar sob o seu rosto. Tirei a minha mão da inércia e em forma de consolo apertei-a contra a sua, acima do banco. Ao primeiro momento ela estremeceu, porém logo se acomodou a aquele toque e relaxou - Não tocava em ninguém a tanto tempo... - Comentou ainda com os olhos molhados.

- Sua mão está fria - Disse abaixando a cabeça.

O som da água de uma pequena e simples fonte, que repousava carinhosamente a uns poucos metros da gente, no centro da praça, tomou conta da cena junto ao pestanejar, das gotas caindo, que se estendeu por um longo período dentre os nossos ouvidos.

- Eu acho que sei o que é - Disse ela me desviando dos inúmeros pensamentos que iam e vinham.

- O que? - Perguntei tirando a minha mão da dela.

Saria se aproximou um pouco de mim, olhando nos meus olhos, um tanto quanto indecisa. Parou, olhou em direção ao solo e me abraçou, encostando a sua cabeça na parte da frente do meu ombro.
Retribui o abraço, calorosamente, ao ponto de senti-la estremecer algumas vezes.

- Você está quente - Comentou ela ao meio do ato.

Não durou muito, logo ela voltou a sua compostura ereta de antes, porém veio acompanhada de duas coisas novas. Um sorriso em seu rosto, e um laço negro, com cerca de vinte centímetros, em suas mãos.

- O que foi isso? - Perguntei.

- O nosso laço - Respondeu puxando o meu braço, e posicionando-o ao ar, um pouco a frente dela.
Pegou o laço e o amarrou com dois nós em meu pulso, não muito apertado.

- E... porque você o deixou comigo? - Perguntei admirando o pequeno tecido deixado.

- Para que tenhas algo meu, que não seja as lembranças de remorso e culpa.

- É bastante pequeno... - Pensei em voz alta.

- Não significa que os menores laços sejam os com menos importância - Disse antes de se levantar na minha frente, acompanhei-a com os olhos,  sem dizer ao menos alguma palavra se virou de costas pra mim e se dispôs a andar sob as folhas secas. Ela estava ficando cada vez mais sem cor, como se estivesse se apagando. Segui com o olhar uma estrela que subia e descia, no ritmo dos seus passos.

- Saria! - Gritei, hesitante, me levantando, depois de um bom tempo.

Ela parou, e se torceu levemente para olhar pra trás.
- Obrigada - Foi o seu ultimo sussurro antes de desparecer por completo.

Foi quando me dei conta, que a noite já reinava naqueles tempos.
E que duas estrelas brilhavam mais do que o comum sob a copa, sem folhas, daquelas árvores que tanto conhecia.

Nenhum comentário:

Postar um comentário