quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

O Palhaço


- Porque precisamos dormir? – Perguntei inocentemente.
- Pra recarregar as baterias filha – Respondeu meu pai, daquele jeito que se responde a crianças curiosas.
- Eu não gosto de dormir – Fiz que não com a cabeça.
- Mas você não pode ficar acordado se não dormir.
- Mas eu não quero.
-Todo mundo dorme querida, porque você vai ser diferente? – Ele me pegou, me fez deitar em minha cama e me cobriu com um edredom até o pescoço – Se cubra que vai fazer frio.
Me virei, aconchegando me sob o edredom desconfortável, tentei resistir ao sono por alguns minutos, mas como toda criança, chega uma hora que se torna irresistível fechar os olhos e liberar a mente.

Adormeci.


- Senhoras e senhores, sejam muito bem vindos ao Garderland! – Gritava uma voz masculina pelos auto falantes mecanizados. Me deparei com os portões do parque de atrações, onde uma placa gigantesca decroada com o nome “Garderland” bem grande em seu centro.

E o mais interessante é que não tinha ninguém se deliciando com aqueles sorvetes, ou gritando com todas as suas forças ao passar em um loop da montanha russa.

Andei até onde os portões bloqueavam e empurrei um deles, que por sua vez fez um rangido infernal ao se abrir. A lua, minguante, repousava no mais alto dos céus, clareando pouco o que tinha de clarear, e fazendo com que o resto da paisagem, o menos importante, permanecesse nas penumbras das sombras mais escuras.
Me dispus a andar por dentre a solidão e o silêncio daquele parque vazio, Passos , somente os meus, vagavam ecoando em qualquer canto. E ainda não sabia o porque de ainda estar explorando aquele mundo.
Fiquei com sede, inexplicavelmente, achei um bebedouro logo ao lado de uma recepção, que também estava vazia, apertei o botão, e começou a sair um liquido quente e viscoso, assustei-me cuspindo o pouco que bebi, e passei a mão na minha boca, pra limpar o resto, uma mancha escurecida pelas sombras se formou  no meu pulso, e um pouco mais pra baixo. Se não estivesse tão escuro, poderia jurar que era vermelho.
Limpei na camisa, e acho que todas as crianças que passassem por isso também iam limpar.

Caminhei dentro daquela recepção coberta por sombras e encontrei dois banheiros, com seus respectivos sexos escritos em placas em frente das portas, entrei no banheiro feminino e me dispus a lavar as mãos. 
Uma fileira de pias e torneiras se estendiam pelo banheiro, me dirigi para primeira e com muito esforço consegui abri-la, aquele mesmo liquido saio por aqueles poros que ansiavam sair agua límpida, e consequentemente, todas as torneiras se acomodaram em abrir sozinhas e despejar aquele liquido que agora se via em um vermelho vivo pelas pias por enquanto limpíssimas.
Me assustei por um barulho agonizante de agua batendo no mármore pálido.
Corri pra fora do banheiro, me batendo com força na porta que por poucos segundos achei que não se ia abrir para mim. Andei o mais rápido que pude até a saída daquele parque, porém os portões já estavam trancados, por diversos e diversos cadeados gigantes. Bati com força neles com as minhas mãos cheirando a sangue, empurrei com todas as minhas forças para que aquele portão se abrisse. Porém ele não se abriu.
Lentamente fui me virando, com um temor enorme do que viria a seguir.
A lua se escondeu atrás de uma nuvem, por ter medo de ver bilhares de cadáveres dispostos, dilacerados de jeitos cada vez mais criativos e cruéis, aquele cheiro insuportável de sangue por todos os cantos, aquele gosto que me fazia arrepiar antes de vomitar, comecei a gritar, um grito fino, fechei os olhos desejando acordar, me encostei nos portões e após o grito cerrei as mãos nos olhos que despejavam lágrimas desesperadas, das quais vieram seguidas de um soluço, e um grito de choro. E então tudo se acalmou, parei de soluçar, abri os olhos, ainda tampados com as minhas mãos, desencostei do portão e retirei as mãos dos olhos, ao fazer isso, um vulto, apertou a minha cabeça com uma só das mãos, um vulto com um nariz vermelho e um rosto branco, olheiras azuis e um cabelo loiro falso. E aquele sorriso, o sorriso cerrado de dentes de maior que o próprio rosto, aqueles lábios de um vermelho vivo, que eu duvidava que era tinta, ele sorria e sorria enquanto segurava a minha cabeça, olhando em meus olhos a poucos centímetros de mim, o desgosto fora tamanho que as lágrimas ficaram tenebrosas e não quiseram descer, só consegui engolir o seco, segundos antes dele apertar de um jeito totalmente doloroso e desajeitado a minha cabeça contra o portão, pressionando com um sorriso ainda maior cobrindo o seu rosto.
- Shiiii – Disse meu pai – Respire respire, eu estou aqui, não tem nada em que se preocupar – Aquela voz tranquilizadora me abraçava. Comecei a chorar.
- Mas pai.. – disse por entre os soluços e lágrimas.
- Shiiii Shii, relaxe, foi só um pesadelo, você está bem agora.
- Eu não gosto de dormir.
- Só deite e descanse, eu ficarei com você a noite toda.

Me deitei enquanto ele acariciava os meus longos cabelos, e ao fechar os olhos, podia jurar que um sorriso grotesco também permanecia estampada no rosto de meu pai.

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