segunda-feira, 23 de maio de 2011

Beijo

Nuvens, que singelamente ameaçavam despejar água em nós, cobriam o céu por toda parte e a lua apenas transparecia dentre elas, como se estivesse a espreita. E nós nem imaginávamos o que estaria por vir… Ninguém imaginava, ninguém, até mesmo eu.
Andava na rua, distraído, viajando pela musica que vinha de dois fones que estavam pregados em meus ouvidos, usava uma camiseta azul e bermudas cinzas, gotas de suor desciam pelo meu rosto agoniando-me e meu cabelo molhado por agua fria que acabara de jogar em meu rosto tentava inutilmente me refrescar, mas mesmo assim o calor não tinha se desapoderado do ambiente.
Com passos largos avançava claramente da academia até a minha casa, e foi quando eu vi, algo muito estranho para ser real, uma menina estava saindo da loja ao lado, atravessou a rua e se posicionou na minha frente, de costas pra mim e por fim andando na mesma direção que a minha. Ela usava alguma espécie de top preto, um short jeans azulado e botas negras, porém o mais impressionante era a sua pele totalmente pálida e seu cabelo ruivo que se movimentava graciosamente junto com os passos dela.
Paramos em um sinal de transito, onde os carros atravessavam sem piedade as faixas brancas no chão, estava a poucos metros dela, e me arrisquei a virar o rosto, não vi nada mais nada menos do que o rosto mais lindo que eu já vira, não consegui tirar o olho, e tudo ao redor começou a ficar embaçado, seu olhos estavam praticamente fechados, enquanto os seus lábios roçavam um no outro, sua perna batia no chão com impaciência, e a sua barriga nua relaxava e contraia pela respiração, se não fosse viajar muito eu podia até sentir as batidas de seu coração. Senti que ela percebeu que eu a estava olhando, e virei a cara bruscamente. Felizmente a luz verde foi substituída por uma vermelha, e sem ao menos olhar pros lados a garota pulou da calçada pra rua e continuou andando, já eu. esperei mais um pouco e continuei de volta a casa, o mesmo esquema, ela na frente e eu bem mais atrás. Isso continuou por quase todo o percurso, que não foi curto. Chegando lá puxei a chave do bolso e destranquei o portão, subi umas escadas e com outra chave finalmente consegui chegar em casa. Meu irmão e minha mãe tinham ido pro cinema e a casa reinava em penumbras, por pouco tempo. Acendi a luz da sala, que se estendeu até a cozinha e um dos quartos. Tirei o celular do bolso, junto com o fone, e joguei-o em cima da mesa. Tirei a camisa e pendurei-a em uma das cadeiras, com alguns poucos passos entrei no banheiro e por alivio tomei um banho frio, me enxuguei e vesti uma roupa de casa, camisa verde e outra bermuda cinza, só que mais clara, peguei o notebook liguei-o na tomada e levantei a tela, fazendo-o ligar automaticamente. Ainda com a toalha em ombros fui caminhando até a varanda para estender, enquanto o notebook ligava, peguei dois pregadores e por fim joguei a toalha no varal, já ia voltando quando algo do lado de fora da janela me chamou atenção, virei o rosto e fui caminhando lentamente até ela, puxei o vidro para um lado fazendo com que uma corrente de ar entrasse em casa, e me apoiei olhando para o outro lado da rua. Uma figura branca, e negra me encarava de lá, ela usava um top preto, shorts e botas. Seus cabelos vermelhos como o sangue cobriam o seu rosto, impedindo de ver os seus olhos. Com um ato terrífico ela levantou a mão e acenou. Me arrepiei. A mesma menina de antes. Fechei a janela quando escutei a musica do Windows iniciando, e me voltei para a cadeira no computador. Esse dia foi muito estranho…
- Alô ? Ian?
- Eu, diga – Já eram 9 horas da manha, e como era sábado eu não tinha aula.
- Vai pra academia hoje? – Perguntei.
- Você vai?
- Tô querendo ir.
- Que horas?
- Sei lá, pode ser 9: 30?
- Certo, 9:30 lá?
- Aham.
- Certo
- Valeu.
- até.
E o telefone foi colocado no gancho e então eu voltei para a cama, me joguei com tudo, abri um livro que estava lendo e só parei de ler para me arrumar. Peguei a chave e dessa vez preferi não ir escutando musica. Abri o portão e saí. Fui andando meio com pressa. Ian ia chegar lá e eu não estaria, era sempre assim. 

Dessa vez eu ia me atrasar mais do que as outras. Um vulto cruzou o meu caminho se posicionando logo em minha frente. Era ela.
- Oi? – perguntei esperando uma resposta. E percebendo que não a ia ganhar continuei – Quem é você? – Que pergunta mais idiota.
- Já não me conhece? – Uma voz meiga que eu nunca tinha escutado em todo os meus 16 anos de vida.
- Porque te conheceria?
- Sei lá, você quem sabe – disse ela sorrindo atrevidamente.
- Você tem nome? – Perguntei brincando.
- Me chame de Dannie – Já estava preparado para responder o meu caso ela perguntasse… Mas ela não perguntou - O que você faz da vida?
- Sou estudante, 3º ano ainda.
- Vestibular esse ano né?
- Pois é - Cada vez mais ela se aproximava.
- E você o que faz?
- Você não iria querer saber.
- Diga…
- Irrelevante.
- Ta bom – assenti desistindo.
- Vem cá! – Disse ela estendendo a mão pra perto de mim. Nunca tive uma relação como essa com um estranho, mas ela parecia diferente, era como se fosse um imã e eu um simples prego. Estendi a minha mão até tocar a dela, e logo depois me arrependi de tal feito, ela segurou a minha mão feito pedra e sorriu. Sorri meio desconfortável de volta.
- Me acha bonita? – perguntou ela. Me pegou de surpresa. - Err… – tentei falar sem gaguejar. Mas ela não me permitiu, já estávamos muito próximos, ela enroscou seus braços frios feito o gelo em meu pescoço e puxando-me pra mais perto fez com que os nossos narizes roçarem. Ela girou minimamente a sua face fazendo que os nossos lábios se entrelaçarem um ao outro, como se fossem um. Tentei inevitavelmente me liberar, mas a minha força não foi suficiente, parte de mim queria continuar o que ela tinha começado. A garota afastou seu rosto um pouco, e milissegundos depois fez que o mesmo voltasse à aquele beijo que eu tanto ansiava e temia. Realmente não lembro quando tempo durou, só sei que era como se estivesse eu outro mundo, sem mais ninguém. E por fim… O mundo se transformou em um cinza escuro. Como se todas as tintas que tingiam a superfície da terra evaporassem em um único segundo. Me senti frio, congelando. Me senti mal, uma maldita dor de cabeça criava pontadas em meu cérebro.
- Boa noite amigo – Foram as ultimas palavras que escutei, e elas eram para serem doces e meigas, mas em vez disso saíram estridentes e cruéis, como se estivessem se divertindo. Minhas veias se realçaram e uma gota de sangue se mostrou escorrendo abaixo do meu nariz. Meus olhos foram fechados, e nem um unico fio de vida restava em meu corpo, que agora jazia no chão infestado de hematomas cruéis e profundas . A dama sorriu.
- Mais um – Disse ela depois de se desfazer com o vento.
Poucos metros de lá tocava uma musica animada, onde Ian caminhava na esteira, dentro da academia.
- Dessa vez ele tá atrasando muito! – Afirmou Ian para si mesmo.
E o que ele menos imaginava era que o garoto que ele esperava nunca mais chegaria a tempo em qualquer outro encontro marcado.

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