domingo, 11 de setembro de 2011

Identidade

Penumbras escureciam de um modo aterrorizante as silhuetas das casas, prédios e dos arranha-céus, em uma noite fria e seca. A lua em sua forma mais bela e magnifica brilhava no mais alto dos céus sem cor alguma, preenchidos por trilhares de formas minúsculas cintilantes.

Deixemos de admirar esta tediosa paisagem noturna e vamos ao que de fato nos interessa. Eu, neste momento estou deitado á cima de um dos mais altos arranha-céus da cidade, admirando as nuvens incolores e esperando por um momento, na verdade sempre estive esperando.
Desculpem-me se não me apresentei, e nem irei me apresentar, não possuo nem um nome nem uma identidade para tal, sou alguém que as pessoas não costumam chamar ou apontar, mas, normalmente quando o fazem, elas me chamam de estranho, ou de somente “você”, me conforto por ser desse jeito, e não necessito mudar. Serei eu até que digam o contrario.


De longe o ponteiro grande do Big Ben se curvou formando noventa graus com o menor, já eram 15 para á meia noite. Me levantei calmamente ignorando a câimbra que estremeceu minha perna direita, nem parecia que estava atrasado. Larguei minha mochila em apenas um ombro e caminhei até o elevador, que esperava ansiosamente para ser usado, normalmente ninguém pegava o elevador uma hora dessas da noite. Desci até as ruas, aquelas ruas de Londres praticamente desertas que se estendiam como um labirinto pelo chão imundo.
Continuei caminhando sorrateiramente pela escuridão daquele labirinto, e a minha mente vagava desconcentrada por inúmeros lugares imaginários de que tanto me agradavam. A hora que mais gostava dessa cidade era meia noite, pelo exato motivo de que não tinha nenhuma alma viva rastejando pela imundice, pela cidade que mais parecia minha casa, meu lar.
Me dispus a caminhar mais rápido quando faltavam apenas cinco minutos para as doze badaladas silenciosas da meia noite.
Me virei em um beco, mais escuro do que o comum, estava logo abaixo do esplêndido big ben, que todos tanto admiravam, era esse o momento, já dava até para escutar as badaladas imaginárias que aguardava com tanta ânsia, me agachei em um canto, encostado na parede e iniciei a contagem regressiva.

Cinco.

Minha mente vagava agora de um jeito totalmente concentrado.

Quatro.

Um meio sorriso estampado em meu rosto se formou sombriamente.

Três.

Eu gostava daquilo...

Dois.

Eu gostava do meu trabalho.

Um.

Meus olhos se fecharam.
E os meus ouvidos captaram o som dos passos...
Os que tanto esperava.
Os que nunca pisariam em algum outro lugar.
- Aproveitem – Pronunciei movimentando meus lábios sem causar som algum.
Com um único movimento silencioso de um único passo.
Com um único piscar de olhos dos olhos perdido nas penumbras.
Com um único coração que ardia por desejo eu consegui olhar naquela íris que tanto me faziam falta, que tanto detestava.
Com minha mão direita apertei meus dedos finos contra aquele pescoço sob a sombra da noite.
- Obrigado – Balbuciei dentre a força que o empurrava á outra extremidade do beco.
- O-o Que? – Resmungou ele dentre um liquido negro que desciam por suas narinas. Estava prestes a esmagar todos aqueles vasos sanguíneos que serviam como o único fio que o deixava com vida.
Antes que me perguntem... Eu ia mata-lo.
Já havia suspirado enquanto olhava aqueles olhos inundados de lágrimas que tremiam de medo. Medo da morte talvez.

- Éi! – Uma voz aguda dissipou o silêncio que tanto me agradava.
Meu rosto desencontrou aqueles olhos e encontrou mais outros dois, dois olhos de uma menina com menos de cinco anos, que admirava a cena com o mínimo de importância, como se fosse um ato cotidiano. Meus olhos encheram de espanto.
- O que você tá fazendo ô de preto?

Ela estava falando comigo? Ninguém fala comigo!

- Eim? Porque tá segurando o pescoço dele?
Minha voz travou. Fazia tanto tempo que não falava com nenhuma alma com vida.
- Qual o seu nome?

Para terminar de me estrangular a garotinha tinha perguntado o meu nome! Ninguém nunca o tinha feito.

- Não tenho nenhum – Disse com alta voz. Pela primeira vez em muito tempo.
- Porque você não tem nome? Eu tenho.
- Porque não há nenhum que possa me representar.
- Quer saber o meu nome?
- Os nomes não dizem nada.
- Eu me chamo Isabela.

Minha voz falhou falando algo que nem mesmo para mim foi perceptível.

- Porque você está fazendo isso com ele? – Perguntou aquela voz doce.
- Porque ele me fez um coisa terrível no passado.
- Ele?
- Sim.
- O que ele fez?
- Ele me deixou sem nome. Sem identidade, sem nada.
- Como você sabe.
- Eu me lembro.
- O que ele fez para te deixar sem nome?
- Ele não me deu um.
- Porque?
- Eu não sei.

Afrouxei os meus dedos no pescoço do homem, que tremia de frio. Senti que ele queria gritar, mas não conseguia.
Eu me sentia estranho, como se tivessem arrancado o meu sentimento mais valioso, como se me deixassem sem alguma proteção da qual pudesse me esconder. Virei o rosto para encarar os olhos daquele homem já quase sem face.

- Você vai fazer o que com ele? – Perguntou aquela voz dócil quando viu a direção do meu olhar.
- Deixa-lo sem identidade...
- Porque?
- Porque ele me deixou assim.
- E você vai descontar?
- Sim
- Isso não é feio?
- É... Mas é necessário.
- Necessário?
- Sim, eu preciso fazer isso.
- Porque você precisa?
- Porque eu sou uma pessoa vingativa.
- O que é vingativa?
- É uma pessoa que desconta das pessoas que fazem coisas ruins a ela.
- Isso é bom?
- Não.
- E porque você faz?
- Porque eu sou assim...
- Você não pode mudar?
- Não.
- Porque?
- Está tarde demais para isso.
- Porque?
- Porque SIM!... – Gritei com uma força incrível virando o meu rosto bruscamente, e foi encontrando o seu olhar familiar que hesitei em continuar a minha frase. A garotinha deu um passo para traz amedrontada, e seus olhos se encheram de lágrimas tristes.

- Como você vai tirar a identidade dele?
- Tirando-lhe a vida.
- Ele vai morrer? – Aquela voz doce se tornou estridente por casa das lágrimas que desciam sem parar de seus olhos.
- Sim...
- Não faça isso... – Disse ela em um tom quase inaudível.
- Porque? – perguntei.
- Porque ele é meu pai.

Aqueles olhos se pareciam muito com os meus.

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